Nem sempre a coragem vence (o tempo)
- Lucas Ponce
- 7 de abr.
- 3 min de leitura
Atualizado: 8 de abr.
No ano de 2021, eu viajei para a Europa. Passei alguns dias conhecendo lugares por lá até que chegamos a Portugal. Foi uma viagem marcante. Em Portugal, minha irmã ficou noiva e eu decidi que não ia voltar para o Brasil, ficaria por lá mesmo. Em uma só ida para a Europa, meus pais ficaram com a casa vazia.
Em Porto, eu encontrei um grande amigo da escola que havia se mudado para lá, e enquanto ele me apresentava sua nova vida naquela nova cidade, a liberdade europeia, que tem cheiro de novidade e é iluminada por postes de luzes amarelas, me seduziu. Eu estava amando a ideia do novo. Visitei apartamentos, vi a faculdade que faria, estava certo daquela decisão. O medo da mudança tinha se transformado em adrenalina.
Na noite em que minha irmã noivou, fomos jantar em um restaurante com vista para o rio Douro. O lugar era magnífico, o céu azul-escuro estrelado se misturava com o reflexo da água do rio, e o ar melodramático colaborava para o sonho que essa noite parecia.
É fácil para mim tornar sonhos em pesadelos, e não pude deixar esse dia de fora. Na primeira mordida que dei na entrada do menu que chegou até a mesa, meu dente caiu. Isso não é uma metáfora (ou uma hipérbole). Meu dente realmente caiu.
O que acontece é que eu nasci com uma condição odontológica chamada dentes conoides (algo que só um filho de pai e mãe dentistas conseguiria desenvolver), e isso significa que os meus dois incisivos laterais são menos desenvolvidos, tendo que ser preenchidos com resina para parecerem dentes normais.
Isso não importa tanto. O que importa é que um desses dentes caiu, e junto foram os meus planos de ficar na Europa. Para aguentar o resto da viagem, eu colei o dente que tinha caído com Super Bonder e, por dentista em Portugal ser extremamente caro, voltei para o Brasil para resolver isso.
Passei os quatro primeiros dias em solo brasileiro convicto da minha escolha. Eu iria ficar apenas uma semana no Rio, resolver a questão do dente, me despedir da família e amigos e voltar para o Porto. Lembro que eu andava pelas ruas da minha cidade e já nem sentia que pertencia mais a esse lugar.
Depois de uma semana, comprei a passagem de volta para Portugal. O coração tinha começado a apertar e eu já não queria mais escutar nada, eu estava certo da ida. Até que tudo mudou.
Eu gostaria de falar que vi um grande sinal, que escutei a voz de Deus me dizendo para não ir, que tive um sonho de premonição onde tudo lá dava errado. Mas a verdade é que eu apenas senti que estava forçando uma realidade que não era o momento certo.
Eu estava tão decidido a não sentir medo, a ser ousado e a viver sem pensar, que ignorei se aquele era o tempo para isso. Sei que, para alguns, eu não fui corajoso e perdi uma oportunidade. Mas entendi, durante esse período, que no final, mesmo sendo um cara bem impulsivo, eu busco mais a paz que a adrenalina.
Durante essa estação, abraço a parte de mim que não precisa de mudanças bruscas para reconhecer coragem, e sorrio ao pensar nas coisas que o futuro me reserva. É justo dizer que sinto mais destemido por ter tomado essa decisão?
Escolher ficar foi difícil, e, mesmo que de vez em quando eu imagine como estaria minha vida hoje se eu tivesse embarcado naquele avião, eu entendo também que escolher um caminho é, automaticamente, abrir mão de outro. Não existe nenhum universo onde possamos ter tudo, e isso é viver.
Comments